quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A propriocepção e sua relação com pacientes lesionados no LCA submetidos ou não ao processo de reconstrução ligamentar

Introdução

Do ponto de vista mecânico o joelho é uma articulação relativamente fraca, sendo as estruturas ligamentares e musculares os principais meios de ligação do fêmur com a tíbia [1,2,3].
Os ligamentos cruzados situam-se no interior da capsula articular sendo o ligamento cruzado anterior o mais fraco [1,2]. Tal característica deve-se ao número reduzido de vasos sangüíneos e colágenos tipo IV [4]. Estas estruturas são diretamente responsáveis pela função de resistência a uma determinada força de estiramento [4].
O LCA é ligamento do joelho mais acometido durante a pratica esportiva, sendo que 50% de todas as lesões ligamentares ocorridas no esporte tem como conseqüência o comprometimento estrutural deste ligamento [2,3,5,6]. A maioria destas lesões ocorre através de movimentos de desaceleração, rotação e saltos [5,6]. As funções do LCA são basicamente duas:

1. Mecânica: evita que o fêmur se mova posteriormente durante a sustentação de peso, estabiliza o joelho na extensão total e evita a hiperextensão. Também estabiliza a tíbia contra a rotação interna excessiva e serve como limitador secundário para estresse em vago/varo quando o ligamento colateral estiver lesado [1,3];
2. Proprioceptiva: por conter mecanorreceptores (corpúsculo de Ruffini, corpos tendinosos de Golgi e corpúsculos de Pacini), o ligamento informa ao SNC sobre mudanças de posição e stress articular que ocorrem no membro [2,4,5,6,7,8,9].
A propriocepção é a capacidade que temos de descrever a sensação de movimento e posição dos membros em relação ao nosso corpo [9]. Essas informações são exclusivamente originadas dos receptores presentes nas cápsulas, ligamentos, tendões e músculos [2]. Sendo assim, as informações visuais, auditivas e cutâneas superficiais não participam de tal função proprioceptiva [2].

Com a ruptura do LCA o joelho fica desprovido tanto de informações proprioceptivas originadas do ligamento quanto de sua função mecânica. Mesmo após a reconstrução ligamentar utilizando o terço médio do tendão patelar ou enxerto do semitendíneo e grácil [9,10] o novo ligamento não readquire histologicamente a função proprioceptiva presente anteriormente à lesão [9]. No entanto, outras estruturas intactas tais como os demais ligamentos, cápsulas e músculos que compõe a articulação do joelho, continuarão a enviar informações proprioceptivas desta articulação ao SNC [7,11,12].
Após a reconstrução cirúrgica e recuperação da ADM e força muscular, o tratamento fisioterapêutico tem por finalidade restabelecer o equilíbrio dinâmico e estático da articulação do joelho [13]. Esta diminuição de equilíbrio que ocorre devido lesão vem sendo motiva de diversos questionamentos entre os profissionais da área médica e fisioterapêutica.

Interessado pela propriocepção e sua relação com o ligamento cruzado anterior, este estudo revisional tem como o objetivo investigar a neurofisiologia da propriocepção e as consequências a nível proprioceptivo que uma lesão ligamentar seguida ou não de reconstrução cirúrgica podem proporcionar aos pacientes.
Foram realizadas pesquisas na base de dados da Bireme e também nas fontes secundarias (livros). Os artigos selecionados constavam entre o período de 1988 até 2004.

A propriocepção e sua neurofisiologia

A propriocepção é caracterizada por aferências neurais cumulativas originadas de mecanorreceptores localizados nas cápsulas articulares, ligamentos, músculos e tendões com destino ao sistema nervoso central [12]. Ela é dividida em três componentes: a) consciência estática da posição articular; b)consciência sinestésica, que detecta o movimento e sua aceleração; c) resposta reflexa eferente, necessária para regulação do tônus e da atividade muscular [6,7,11,12].
Os mecanorreceptores são estruturas terminais especializados, cuja função é de transformar a energia mecânica da deformação física (alongamento, compressão e pressão) em potenciais de ação nervosos que geram as informações proprioceptivas [13]. Esta informação (posição e movimento articular) é originada através de um feedback sensorial aferente dos receptores que se projetam diretamente para as vias reflexas e corticais. Os potenciais de ação gerados devido a este sistema são classificados de acordo com a velocidade de descarga sensorial, sendo assim divididos em receptores de rápida adaptação (cessam a emissão de descarga logo após o início de um estímulo) e receptores de lenta adaptação (continuam a emissão de descarga enquanto o estímulo estiver presente) [12].

Os mecanorreceptores de adaptação rápida são responsáveis por proporcionar sensações sinestésicas conscientes e inconscientes em resposta ao movimento ou aceleração articular enquanto os mecanorreceptores de adaptação lenta proporcionam feedback contínuo, ou seja, informam posição que a articulação se encontra no espaço [12].
Em se tratando da neurofisiologia, o estímulo proprioceptivo possui uma seqüência de sinais até atingir seu objetivo final que é a conscientização articular durante um movimento ou posição estática [12]. Esta seqüência inicia-se através de estímulos (potenciais de ação) que são produzidos pelos mecanorreceptores e percorrem as inervações até chegarem na medula. Na medula encontramos o fascículo grácil (local que recebe informações originadas de receptores do membro inferior) e o fascículo cuneiforme (recebe informações originadas de receptores do membro superior). Destas estruturas os estímulos seguem passando pelo diencéfalo e córtex cerebral, terminando assim na área somestésica (responsável pelo armazenamento de informações proprioceptivas) [12,13,14]. Ao atingirem esta rápida o movimento passa a ser reconhecido pelo cérebro. Este processo possui uma duração em torno de 80 a 100 m/s e é mais rápido que os estímulos dolorosos que seguem a uma velocidade de 1 m/s [12].

Na articulação do joelho encontramos principalmente receptores capsulares, ligamentares, tendinosos e musculares. Estes dois últimos são representados pelo orgãos tendinosos de Golgi e pelos fusos musculares respectivamente. Já os receptores citados inicialmente são representados pelos receptores tipo Pacini, tipo Rufini e tipo Golgi [12].
O fuso muscular é constituído por fibras intrafusais inervadas por neurônios motores aferentes tipo gama e neurônios motores aferentes tipo Ia e tipo II [12]. Isto ocorre devido aos receptores estarem localizados na rápido equatorial e serem estimulados quando o músculo i alongado [12].
Já o órgão tendinoso de Golgi é um receptor localizado na junção músculo e tem por objetivo fornecer informações sobre a tenção no interior dos músculos (contração). Por estarem conectados a um pequeno grupo de fibras musculares, estes receptores tornam-se muitos sensíveis (respondem a forças inferiores 0,1G impostas nas porções musculares) a qualquer alteração de comprimento do músculo demonstrando assim sua função protetora.

Os receptores musculares e articulares trabalham de modo complementar entre si, sendo que um possui a capacidade de modificar a função do outro. Este equilíbrio permite informar de maneira menos ambígua possível sobre um determinado movimento. Assim os mecanorreceptores sensoriais podem representar uma continuidade e não classes distintas e isoladas de receptores [12].

A propriocepção e sua relação com LCA

No ligamento cruzado anterior, encontramos mecanorreceptores tanto do tipo de adaptação lenta quanto os do tipo de adaptação rápida. O mecanorreceptor do tipo Golgi possui caráter dinâmico, adaptação lenta aos estímulos, registram a verdadeira posição articular e estão localizados nas inserções deste ligamento. Já o mecanorreceptor do tipo Ruffini possui caráter estático e dinâmico, adaptação lenta aos estímulos e tem como objetivo informar a mudança na posição articular. O outro mecanorreceptor existente no ligamento é o que pertence ao tipo Pacini cujas características são de adaptar-se lentamente aos estímulos, possui caráter dinâmico e fornecer informações sobre a velocidade articular. Tanto o receptor do tipo Pacini quanto o tipo Ruffini ocupam apenas 1% de toda a superfície do ligamento [5].

Após a reconstrução do ligamento, os principais objetivos da reabilitação são: a)retorno da força muscular; b) recuperação da ADM; c) melhora do equilíbrio estático e dinâmico sobre o membro operado [12]
Diversos estudos vão procurando demonstrar se os mecanorreceptores encontrados nos ligamentos são os principais responsáveis pela propriocepção da articulação do joelho. através de comparações feitas em joelhos com lesão de ligamento cruzado anterior tratados conservadoramente, tratados cirurgicamente e joelhos sadios, diversos autores expuseram seus resultados e opiniões a respeitos de um possível ou não déficit proprioceptivo. Estes resultados mostraram-se bastante contraditórios.

O joelho que possui o LCA lesionado mesmo passando por um tratamento conservador ira apresentar uma deficiência no senso posicional da articulação durante os testes. Um experimento com 13 pacientes tratados cirurgicamente e depois submetidos ao processo de reabilitação fisioterapêutico revelou que os joelhos normais contralaterais apresentavam maior exatidão no senso de posição articular (desvio de 1,21 graus) que os joelhos operados, concluindo assim que a propriocepção após o reparo cirúrgico é melhor quando comparado aos joelhos tratados de forma conservadora, mas quando comparada com os joelhos sadios ela torna-se bastante inferior. Em outro estudo os testes não demonstraram diferenças significativas na reprodução do posicionamento passivo entre o joelho operado há três anos e o não operado [16].

Ao realizar programas distintos de reabilitação sendo o primeiro caracterizado por fortalecimento de extensores e flexores de coxa, treino de habilidade e agilidade esportiva e o segundo por utilizar perturbações antero-posterior e latero-medial sobre a plataforma de balanço, ambos os resultados obtidos demonstraram que a estabilidade do joelho foi aumentada devido ao aumento da função muscular [17].
Após a cirurgia de reconstrução ligamentar já é esperado que ocorra uma hipotrofia da musculatura da coxa operada [3,18]. Como a resposta muscular é mais rápida (duração de 30 a 80 mseg) que a informação originada dos receptores articulares (duração de 200 mseg) este membro fica desprovido parcialmente de informações proprioceptivas facilitando assim o surgimento de lesões. Existem movimentos que duram somente 40mseg, o suficiente para promover algum tipo lesão na articulação. Portanto existe um ponto de vista que relata que os receptores musculares desempenham uma função importantíssima na identificação do posicionamento articular. No entanto existem estudos que contrariam este ponto de vista, indicando apenas uma hipotrofia da musculatura posterior da coxa, não sendo esta capaz de gerar uma deficiência proprioceptiva [6].

Conclusão

Quando ocorre a ruptura do ligamento cruzado anterior o joelho apresenta um déficit proprioceptivo decorrente da lesão do ligamento e da hipotrofia dos músculos da coxa lesionada. Esta diminuição é comprovada pela perimetria e ocorre devido a diminuição da utilização da musculatura da coxa. Quando recuperamos a força desta musculatura através de exercícios de fortalecimento ativo e acrescentamos os exercícios proprioceptivos o joelho recupera sua estabilidade articular.

Referências bibliográficas

1. Moore Kl, O Membro inferior. Anatomia Orientada para Clínica. 3nd ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1992. p.334-453.
2. Fonseca ST, Ocarino JM, Silva PLP, Lage CA, Guimarces RB, Oliveira MTC. Analise da propriocepção e sua relação com o desempenho funcional de indivíduos com deficiência do ligamento cruzado anterior. Rev bras Fisioter 2003;7:253-9
3. Januario M, Jznior EAB. Complicações pós-cirurgia da reconstrução do ligamento cruzado anterior. Fisioter. bras 2003; 4(6):402-8.
4. Sampaio TCFVS, Leite VHR, Souza JMG, Antunes LC. Estudo morfo-histológico da interconexão dos ligamentos cruzados no joelho humano. Rev Bras Ortop 2001;36(10):394-400. 

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